11 Filmes Imperdíveis para Ver na Berlinale 2024

Wellington Almeida é programador e organizador do Soura Film Festival, coordenador do departamento de curtas do DTLA Film Festival e colaborador da seção Forum da Berlinale. Redator e tradutor, também colabora com o portal Cinema Sétima Arte de Portugal.

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Wellington Almeida
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Portuguese
Published on
Feb 11, 2024

"No Other Land" by Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham, Rachel Szor

Em menos de uma semana, se dará início à 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, carinhosamente conhecido como Berlinale. Este ano o festival será marcado pela despedida dos diretores Carlo Chatrian e Mariette Rissenbeek, que concluem sua jornada de cinco anos à frente do evento. Nas últimas semanas, a organização do festival mostrou à imprensa e colaboradores alguns dos filmes dessa edição (com exceção da Competição), permitindo um pequena prévia do que está à nossa espera :)

Baseando nessas sessões, e através de um pedido dos queridíssimos por trás do Cena Berlim, preparei uma pequena listinha com recomendações dos títulos mais legais que tive o prazer de assistir nas últimas semanas com um pequeno introdutório sobre eles. Para aqueles que estão se aventurando na Berlinale pela primeira vez e desejam entender as diversas seções do festival, o significado de cada uma, e o que esperar dos filmes programados nelas, recomendo a leitura de um post que publiquei aqui no ano passado [leia aqui]. Portanto, sem mais delongas, aqui estão 11 filmes para não perder na Berlinale em 2024.

No Other Land [Panorama]

Um dos filmes mais impactantes, e talvez mais importantes, desta Berlinale é o documentário “No Other Land” dirigido por um coletivo israelo-palestino. O filme segue a trajetória de Basel Adra, um jovem palestino da comunidade Masafer Yatta, na Cisjordânia, que desde pequeno tem registrado com sua camera a constante destruição e deslocação do seu povoado pelas autoridades israelenses. As imagens capturadas são testemunhos de uma dor permanente: a destruição de lares, a dispersão de famílias e a batalha contínua pela sobrevivência em uma terra que sempre lhes negou direitos fundamentais. Neste cenário de desespero, Basel conhece Yuval, um jovem jornalista israelense que decide apoiá-lo na sua luta de resistência. Apesar das circunstâncias improváveis, uma forte amizade se forma entre os dois, tingida pela desigualdade intrínseca às suas existências: Basel, encurralado pelo jugo da ocupação militar; Yuval, gozando de uma liberdade que lhe permite, ao fim do dia, escapar para a segurança do seu lar do outro lado do muro.

“No Other Land” é mais do que uma crítica feroz ao Estado de Israel; é um clamor por humanidade, um apelo à paz e a uma possível coexistência, numa região dilacerada por décadas de conflitos que parecem não ter solução. Através das lentes de Basel e Yuval, o documentário expõe a crua realidade dos habitantes de Masafer Yatta enquanto questiona as fronteiras visíveis (e invisíveis) que segregam corações e mentes, propondo que a empatia, e o reconhecimento do outro, uma visão de mundo que parece ainda muito distante, possa se transformar numa realidade cada vez mais possível.

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"Dormir de Olhos Abertos" by Nele Wohlatz | © Victor Juca

Dormir de Olhos Abertos [Encounters]

Uma turista taiwanesa se encontra “lost in translation” pelas ruas do Recife, dando início ao belo e hilário novo filme da diretora alemã Nelle Wohlatz, uma coprodução entre o Brasil, Taiwan, Argentina e Alemanha. À primeira vista, “Dormir de Olhos Abertos” pode parecer um tanto intimidador, com sua aura de filme estranho, como se pertencesse a um gênero que ainda não foi inventado. No entanto, é um filme que vai revelando a sua beleza sedutora através de pequenos detalhes, quase que imperceptíveis se não for dedicada a devida atenção.

O filme segue uma série de personagens, como a jovem taiwanesa que chega ao Brasil sem falar uma palavra de português, ou o vendedor chinês que tem uma loja de guarda-chuvas numa Recife ensolarada, enquanto eles se estabelecem num país que não fala a sua língua ou que compartilha dos mesmos códigos de socialização. Enquanto as histórias deles se cruzam, o filme vai habilmente forjando pequenas interações de mal-entendidos e explorando o que é ser “o outro” de uma perspectiva completamente original e repleta de humor. Mesmo quando aborda assuntos sérios, como na cena em que eles têm de lidar com o bullying dos vizinhos de classe alta, que acreditam que eles não pertencem ao mesmo ambiente, o filme faz troça de si mesmo e cria as situações mais absurdas e hilariantes.

“Dormir de Olhos Abertos” é um filme inteligentemente construído, onde um dos seus maiores trunfos é prestar minuciosa atenção às nuances da língua, e até brincando com as contradições do português brasileiro. Um exemplo de como esse dispositivo narrativo é utilizado pode ser visto na tradução dos diálogos (em mandarim, português e espanhol), onde as legendas são divididas em cores — amarelo para português, branco para todas as outras —, e assim abrindo caminho para a diretora criar momentos divertidíssimos de equívocos do cotidiano. Uma comédia de enganos que ao mesmo tempo em que elabora uma série de sketches de humor para rir do absurdo da vida, consegue levantar diversas questões filosóficas sobre o que é pertencer a um lugar ou se identificar como parte dele.

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"Sasquatch Sunset" by David & Nathan Zellner | © Sasquatch Sunset

Sasquatch Sunset [Berlinale Special]

Festival que se preze tem que ter o seu filme-escândalo, e “Sasquatch Sunset” parece ser o candidato ideal deste ano. Não é que esta comédia bizarra aborde temas controversos ou algo assim, nada disso. Mas porque esse é um dos filmes mais delirantes dos últimos anos, que desde a sua estreia em Sundance há apenas 2 semanas, tem causado rebuliço por onde passa e dado origem à reações hilariantes como num artigo da revista The Atlantic intitulado “O filme que mandou todo mundo correndo à procura da saída”.

O filme segue a história de uma família de Pés-Grande, ou Bigfoot, como são chamados em inglês, uma criatura mítica gigante e peluda que faz parte do folclore e da cultura popular norte-americana, e que é uma das figuras mais famosas da criptozoologia. Sem qualquer diálogo entre eles, seguimos o Bigfoot pai (co-diretor Nathan Zellner), a mãe (Riley Keough), o filho mais velho (Jesse Eisenberg) e o mais novo (Christophe Zajac-Denek), enquanto eles perambulam por uma floresta em algum lugar dos Estados Unidos sem um plot que guie a narrativa; e tudo isso fingindo que é um documentário de natureza. Embora “Sasquatch Sunset” transborde absurdismo e pareça estar sempre rindo de si próprio, o seu verdadeiro triunfo reside em induzir o espectador a uma reflexão inesperadamente profunda, mesmo que ainda observando uma família de Pés-grande apenas existindo por uma hora e meia. E enquanto explora situações do dia a dia que, em outro contexto, nunca seria assim absurda e engraçada, consegue transcender a mera comédia irônica para explorar a essência da existência através dos olhos de uma família de seres míticos e gigantes. Uma experiência inclassificável e que, com certeza, irá dominar as conversas cinéfilas que teremos ao longo de todo o ano.

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Crossing [Panorama]

Evocando as memórias afetivas do nosso “Central do Brasil”, o filme de abertura da seção Panorama, escrito e dirigido pelo sueco Levan Akin, promete despertar uma doce nostalgia nos corações brasileiros. Assim como no clássico de Walter Salles, “Crossing” segue uma professora aposentada e carrancuda (Lia) que na companhia de um menino por quem ela não nutre muita afeição, embarcam numa jornada de autodescoberta, muitos desencontros e vínculos inusitados. O filme então segue a jornada da dupla enquanto eles cruzam o mar negro de barco da Geórgia até Istanbul, a fim de encontrar a sobrinha trans de Lia, da qual ela não tem notícias há anos, e que agora se identifica pelo nome de Tekla. Desaparecida após ser rejeitada por sua família numa Geórgia rural e conservadora, a última informação que se sabe é que Tekla encontrou refúgio em Istambul. Ao chegarem na Turquia, sem um endereço em mãos e sem falar uma palavra turco, a dupla de protagonistas seguem como que guiados pelo vento, cruzando caminhos com uma variedade de personagens que ora contribuem com pistas sobre o paradeiro de Tekla, ora dão vida ao microcosmo colorido, pulsante e caótico que é Istambul. “Crossing” é o filme a seguir de Akin após o seu “And Then We Danced” de 2019 ter feito uma impressionante carreira pelos festivais mundo afora e ter sido o candidato representante da Suécia no Oscar daquele ano. Aqui o diretor expande os seus horizontes temáticos, enquanto elabora uma lindíssima carta de amor à capital turca, que se lê com o coração apertado. Mais do que um “road movie”, “Crossing” é uma introspecção melancólica sobre laços familiares (inter)rompidos e sobre a busca por uma redenção transformadora; um lugar onde, no cruzamento de destinos e desencontros, cada pecado encontra o seu caminho para a absolvição.

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Depois de Horas [Berlinale Classics]

Opinião provavelmente impopular mas difícil de ser negada: “After Hours” é o melhor filme de Martin Scorsese. Antes que os fãs de “Taxi Driver”— eu incluído, revirem os olhos em descrédito com a minha petulância, adiciono uma mea culpa: se não for o melhor, é com certeza a experiência mais alucinatória que o americano já criou. Aqui sem o peso do “grande autor”, o que viria a se consolidar alguns anos mais tarde, Scorsese pode fazer uma comédia surrealista descompromissada e que inevitavelmente acabou por se tornar num dos seus clássicos cult mais celebrados. O filme explora uma ideia quase masoquista: o que aconteceria se a lei de Murphy fosse aplicada a um homem comum em uma única noite? Paul, um mero processador de dados, deseja apenas dar uma passada breve num café após o trabalho, mas mal sabe ele o que o destino lhe reserva. E o que espera pelo nosso anti-heroi é uma noite alucinante em uma Nova York que mais se parece com uma versão do Inferno de Dante, só que com mais neon e menos poesia.

Em 1985, numa era obcecada por ombreiras e enquanto o star system americano cantava “We Are the World”, Scorsese optou por desvendar o verdadeiro pesadelo americano e descobriu que podia torná-lo sádico e hilariante. Entre a turbulência dos táxis amarelos e esculturas mortais de papel machê, o filme se desenrola como uma montanha-russa de infortúnios, como se uma típica comédia de erros da Sessão da Tarde fosse um episódio masoquista de “Black Mirror”. É o lembrete de Scorsese de que, mesmo no meio do caos, ele sempre sabe onde está a sua câmera... e o nosso senso de humor.

Uma raríssima oportunidade para (re)ver o clássico do mestre em estreia mundial numa nova cópia restaurada a partir de um negativo original de 35 mm da coleção privada do diretor e com a ajuda da editora Thelma Schoonmaker. Um dos grandes acontecimentos dessa Berlinale, que homenageia o diretor americano entregando-lhe um urso de ouro honorário no dia 21 num evento aberto ao público.

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Brief History of a Family [Panorama]

O filme de estreia do chinês Jianjie Lin é um pequeno alien sedutor (quase) inclassificável. É uma espécie de thriller enigmático que empresta o tom dissimulado da Patricia Highsmith de “O Talentoso Mr Ripley” para tecer uma narrativa - ou melhor, várias - que orbitam em torno de uma pequena família, retratada como raramente vimos no cinema: sob o verniz sofisticado e impenetrável da elite chinesa.

A história se inicia quando o jovem Yan Shuo é violentamente atingido por uma bola de basquete na escola, e seu colega, Tu Wei, prontamente se aproxima para pedir desculpas. Como gesto de reparação, Wei convida Shuo para jogar videogame em sua casa. No entanto, a chegada dos pais de Wei desencadeia um desconforto imediato entre os adolescentes, e a dinâmica entre eles rapidamente dá lugar a um ambiente tenso. Apesar da relutância de Tu Wei, o novo amigo é convidado a jantar com toda a família e, pouco a pouco, começa a ocupar o espaço antes pertencente a Tu Wei dentro do núcleo familiar. Nesse meio tempo, uma competição entre os dois pela atenção dos pais de Wei se dá início e assim vamos gradualmente testemunhando uma teia de segredos e tensões familiares que são devidamente expostas sobre a mesa.

“Brief History of a Family” é um filme inteligente que vai experimentando e tateando territórios desconhecidos enquanto deliberadamente evita se enveredar por caminhos mais fáceis. Um belíssimo feito do diretor Jianjie Lin que aqui se revela um virtuoso na arte de orquestrar tensão, ao mesmo tempo que elabora um comentário mordaz sobre o que é ser uma família moderna na China atual, mas sobretudo, acerca do que realmente conhecemos sobre aqueles que estão mais próximos de nós.

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Matt and Mara [Encounters]

Imagine um encontro entre o “Past Lives” de Céline Song e o “Antes do Amanhecer” de Richard Linklater. Parece uma comparação simplista mas que, em última instância, capta bem a essência do novo filme do canadense Kazik Radwanski, que já tinha estado aqui na Berlinale em 2019 com o seu super elogiado “Anne at 13,000 Ft.” A história de “Matt and Mara” desdobra-se com uma simplicidade enganosamente profunda. Mara (Deragh Campbell), uma professora de escrita criativa enfrentando turbulências em seu casamento, reencontra Matt (Matt Johnson, diretor de “Blackberry”, aqui interpretando a si mesmo), um escritor carismático e “free spirit” que emerge do passado de Mara de forma inesperada durante um encontro por acaso no campus universitário onde ela leciona.

“Matt and Mara” é um filme delicado, todo esculpido em tons pastéis e que se desenvolve calmamente, enquanto acompanhamos a dupla em suas andanças pela cidade, imersos em diálogos que oscilam entre a filosofia, o estado atual da arte e, inevitavelmente, sobre a verdadeira natureza da sua amizade. No entanto, diferente de focar nas dificuldades de um romance não concretizado, o filme elabora um argumento inteligente sobre a natureza do ser e do tempo. Radwanski propõe que as experiências vividas e as escolhas feitas lá atrás não são meros ecos de um passado distante, mas sim componentes fundamentais que configuram a nossa identidade atual. Neste contexto, as possibilidades do “e se” deixam de ser lamentações sobre oportunidades perdidas, e se transformam em reflexões sobre como essas alternativas não escolhidas contribuíram para nossa compreensão de quem somos hoje.

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La Hojarasca (Forum)

Em uma obra intimista de não-ficção, acompanhamos de perto três irmãs, senhoras idosas, reunidas em um pequeno pedaço de terra, em uma área isolada das Ilhas Canárias, onde uma delas ainda reside. Elas se reúnem num encontro familiar que não só evocam as muitas lembranças da juventude, capturadas tanto em imagens quanto na memória, mas especialmente para enfrentar uma questão delicada que não pode ser mais adiada: a partilha da herança e a divisão das terras deixadas pelos seus antepassados.

Uma história claustrofóbica de amor entre irmãs, que mesmo quando é assombrada pelo negrume dos conflitos que inevitavelmente surgem entre elas, e que foram reprimidos por décadas, conseguem encontrar uma pontinha de luz no meio de toda escuridão. Ao fazer isso, “La Hojarasca” realiza uma profunda análise sobre o peso do tempo, entrelaçando de maneira bela e harmoniosa laços familiares que resistem à prova das horas.

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Love Lies Bleeding [Berlinale Special]

Kristen Stewart é a estrela de um dos títulos mais esperados dessa Berlinale: uma aventura queer estilizada e surreal que narra a jornada de uma fisiculturista rumo a Las Vegas em busca do sonho americano. Não só uma história de amor entre duas mulheres unidas pela crença de serem elas contra o mundo, mas também um conto de vingança com muito erotismo e violência, que avança impetuoso sem pedir desculpas a ninguém e atropelando tudo o que vê pela frente. Um filme sobre obsessão que explora tanto seu aspecto de desejo ardente quanto sua capacidade de impulsionar indivíduos à autodestruição.

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I’m Not Everything I want To Be [Panorama]

A forma em como a diretora Klára Tasovská desconstrói e subverte um gênero tão rígido como o documentário biopic é de fato impressionante. Utilizando-se de fotos e entradas de diários que documentam a extraordinária jornada da fotógrafa Libuše Jarcovjáková pelo mundo, ela tece uma nova narrativa para essas histórias, adotando uma perspectiva do presente completamente desprovida de nostalgia. Ao incorporar sons, música e movimento às inúmeras imagens captadas por Jarcovjáková ao longo dos anos, ela não só cria uma aventura absolutamente hipnotizante como dá vida a um dos documentários mais originais e inventivos do ano.

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All the Long Nights [Forum]

Um filme que entrelaça personagens espalhando bondade e gentileza ao longo de duas horas poderia facilmente ser visto como um convite ao sentimentalismo fácil, mas isso não se aplica ao novo filme do diretor japonês Shô Miyake. Sem depender de grandes conflitos e encontrando humor nos momentos mais inesperados, como por exemplo, nos dissabores de uma tensão pré-menstrual, ele constrói uma obra melancólica e comovente sobre o poder transformador da gentileza mútua. Um filme para amolecer corações endurecidos e que certamente vai cativar os entusiastas do cinema otimista e transformador de Ryusuke Hamaguchi.

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(1) “Crossing” by Levan Akin | © Haydar Tastan • (2) “After Hours” by Martin Scorsese | © 2024 Warner Bros. Ent. • (3) “Brief History of a Family” by Lin Jianjie | © First Light Films, Films du Milieu, Tambo films • (4) “Matt and Mara” by Kazik Radwanski | © MDFF • (5) “La Hojarasca” by Macu Machín | © El Viaje Films • (6) “Love Lies Bleeding” by Rose Glass | © Anna Kooris • (7) “I’m Not Everything I Want to Be” by Klára Tasovská | © Libuše Jarcovjáková • (8) “All the Long Nights” by Shô Miyake | © Maiko Seo/2024 All the Long Nights Film Partners