Jonathan Ferr é um músico multi-instrumentista e compositor, ou como ele mesmo se autodenomina, pianista afrofuturista. Ele tem alcançado notoriedade nacional e internacional. Apontado pelo jornal El País como o “garoto-estandarte do jazz carioca”, Ferr juntou vários aspectos sonoros (do jazz ao hip-hop), sociais e espirituais dentro de um caldeirão artístico para trilhar caminhos musicais que desconstroem a idéia de que a erudição deve ser inerente a estilos musicais mais complexos. Nascido e criado em Madureira, é um músico multifacetado, cuja estética colorida e futurista se evidencia nos videoclipes que ele próprio realiza. Depois de "Trilogia do Amor" de 2019, e "Cura" de 2020, o terceiro álbum do músico, "Liberdade", nesse ano de 2023, conta com a participação especial de artistas da nova geração da música urbana brasileira, como Kaê Guajajara, Tássia Reis e Rashid.
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Luiza Maldonado: Pra começar, a gente quer primeiro te parabenizar pelo álbum "Liberdade" e também falar sobre a música "Liberdade", que traz um parceria com a Kaê Guajajara e com Devaneio Beatz. Como nasceram essas parcerias e como que é o seu processo criativo com essas pessoas?
Jonathan Ferr: Bom, eu tinha feito antes o "Cura", que foi um álbum muito importante feito no meio da pandemia. Nenhuma dúvida de que eu o construí pra me curar ali no meio daquela loucura, curar o emocional, o psicológico. E aí saiu esse álbum, que eu realmente não esperava que fosse mudar tanto as coisas assim. Eu me identifiquei com Talith falando sobre o medo de colocar algumas coisas pra fora, e essas músicas do "Cura" eram como se fossem músicas do meu diário, super secretas. Então eu assinei com a Som Livre e eles me perguntaram se eu tinha alguma música, algum projeto pra apresentar. Eu mostrei o que eu tinha composto na pandemia e o álbum saiu. Eu fiquei surpreso, pensava que um disco de piano solo só sairia daqui a 10 anos, ou pra comemorar 20 anos de carreira no Carnegie Hall, sei lá. Olha só o tipo de idealizações que a gente faz! Mas "Cura" se saiu super bem, ficou entre os melhores discos de 2021. Eu fiquei super feliz. Houve vários relatos de pessoas que falaram de autocura através desse trabalho. Depois disso, eu fiquei me perguntando o que vem depois da cura. Eu entendi que é a liberdade. Você se cura e você se liberta, né? Seja de uma gripe, de uma relação, de uma situação qualquer. Então, comecei a pesquisar sobre esse tema, "liberdade". O que é liberdade pra mim? Fui morar em São Paulo e achei muito bom, eu fui lá me perder pra me encontrar também. Saí do Rio e fiquei um tempo em São Paulo pesquisando várias coisas, estudando muito sobre liberdade e as canções saíram desse momento.
Alguns textos pequenos me ensinaram muito sobre liberdade. Um é do Nietzsche, o filósofo alemão: "Nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo". Ele podia usar qualquer termo, mas ele usa "privilégio"; pertencer a si mesmo é um privilégio, é algo que é pra poucos. Porque é muito difícil você conseguir se libertar a ponto de não pertencer a nada ou a ninguém. Tem outra frase que eu li que fala que: "Quem não se movimenta, não percebe as correntes que o aprisionam" (Rosa Luxemburgo). Tem que se movimentar pra sentir que tem alguma coisa te prendendo, e você vai se soltando a medida que você vai conhecendo e reconhecendo aquilo que te limita. Então, esse álbum traz muito sobre emancipação. O terceiro texto é de um filósofo africano chamado Fu-Kiau, que fala que: "todo mundo nasce com o sol do meio-dia aceso". A medida que a gente vai crescendo, pelas dificuldades, traumas, preconceitos, esse sol vai se apagando. Então ele fala que a gente tem que acender o nosso sol do meio-dia. Eu comecei a refletir sobre isso e pensar que, se o sol está dentro de mim, então liberdade não é pra fora, é pra dentro. Não adianta nada estar livre se a mente, se o corpo ou se o espírito não está também. Então todas as canções desse álbum novo começaram a partir desse processo de reflexão sobre liberdade.
A música mesmo com Kaê Guajajara eu tinha escrito pensando sobre essa coisa da não monogamia e sobre liberdade de afeto, e a música fala: "Preciso me amar, quero me ver sorrir, quero me abraçar / Pra eu me reconhecer, pra eu poder entender o que eu posso te dar / Nunca mais performar a versão que você tem de mim / Te olhar nos olhos e dizer que eu te amo assim". O amor por você primeiro é pra mim, e o amor por você é um reflexo do que eu sinto por mim primeiro. O álbum inteiro segue esse processo sobre autoconhecimento e liberdade.