CB Talks to Talith in Psicotrópicos Festival

No CB Talks • Psicotrópicos, o Cena entrevistou Talith, artista brasileire transdisciplinar baseade em Berlim. A conversa, que foi principalmente sobre a sua carreira, os coletivos que elu participa e as performances que apresenta em Berlim, aconteceu no dia 15.07.2023 no Festival Psicotrópicos.

Cultural Production
Dance
Education & Research
Music
Performing Arts
Written by
Luiza Maldonado & Mateus Furlanetto
in
Portuguese
Published on
Aug 5, 2023

Talith é artista transdisciplinar com experiência em teatro, performance, drag, escrita criativa e poesia, relações internacionais, ciências sociais, estudos de gênero e política. É autodidata e adora experimentar diferentes mídias e materiais; elu inclusive faz a maioria dos seus figurinos e elementos que leva para o palco, a maioria deles de material reciclado. Talith mistura seu trabalho artístico com sua pesquisa acadêmica, que é sobre a exploração do gênero através do drag. Atualmente, elu apresenta "Lilith, the Quing", além de outres personagens, e participa dos coletivos Venus Boys, fluid.vision e BRag Cuture em Berlim.

Luiza: Talith, vou começar do início. Por que Berlim?

Talith: Bom, a maior razão é porque eu queria. Eu já estava no final da faculdade e eu já não via um futuro pra mim no Rio de Janeiro. Eu não sabia como é que eu ia me sustentar financeiramente, eu não sabia como é que eu ia fazer nada. Estava terminando a faculdade, zero vontade de trabalhar naquela área (Relações Internacionais/UFRJ). E aí eu vim pra cá me perder pra depois me achar, basicamente.

Mateus: Falando da questão da faculdade, a gente sabe que você segue uma carreira acadêmica também. Então a minha pergunta é: como uma coisa influencia a outra, sua carreira artística e sua carreira acadêmica?

Talith: Então, eu voltei a estudar agora em 2021. Eu estava com saudade de estudar, mas ao mesmo tempo eu estava meio de saco cheio da academia. Eu estava gostando muito do que eu estava fazendo com meu trabalho. Comecei a fazer drag e isso literalmente mudou a minha vida. Eu estava numa fase bem depressiva antes e de repente eu tinha uma razão pra viver, pra fazer as coisas, pra me mover, pra me movimentar com a galera e com os coletivos. E aí de repente eu entro no mestrado (Mestrado em Estudos Latino-americanos na Freie Universität Berlin) e de novo, pensei: ai, que saco! É um monte de ler as mesmas coisas que eu sempre li.

Mas agora, de repente, eu comecei a ter outras matérias que são muito mais interessantes e que estão trazendo outras perspectivas que não são só essa do homem cis, branco e europeu. Tipo, muita coisa que me inspira muito! E aí, quando eu percebo, estou misturando tudo: minha vida é meu trabalho, meu trabalho é minha pesquisa, minha pesquisa é minha vida, que também é meu trabalho e minha pesquisa. Enfim, dá pra entender como que, do nada, virou tudo?

Talith at CB Talks • Psicotrópicos | Photo by Rafaella Rios

"O que é que eu quero com Lilith? Eu quero fazer tudo que eu não tenho coragem. Eu sinto que eu passei muitos anos paralisade sem conseguir fazer nada, porque eu tinha medo de fazer as coisas mal, tinha medo de entregar algo que ainda não estivesse perfeito (...). Mas Lilith não, Lilith é: se está inacabado, está inacabado e é parte da vulnerabilidade de trazer o inacabado também. Então é tipo uma coragem de mostrar aquilo que é muito difícil de mostrar às pessoas."

Luiza: Bom, drag queen, drag king, e você, quing: Lilith, the Quing. Como é que começou Lilith, the Quing?

Talith: Eu comecei querendo ser king. Comecei com muita raiva do patriarcado. Então a minha ideia era ser o macho tóxico, aquele que eu sempre odiei. Mas aí eu pensei: não. Por que é que vou para o palco representar aquilo que a gente já vê todos os dias, que já está todo mundo traumatizado? Então eu comecei a brincar e eu voltei muito para a minha infância, eu acho. Lilith é um nome que eu escolhi quando era criança e que era o meu nome artístico. Eu descobri que as pessoas tinham nome artístico e eu queria ter um também. Daí aos nove anos eu tive uma obsessão com Lilith, foi uma hiperfixação. Eu estava numa fase de mitologia e eu sempre fui muito a fundo nos meus interesses, uma coisa que eu acho que é um tipo de rebeldia, né? Sei que me tocou muito e eu escolhi esse nome. De repente eu comecei a pensar: o que é que eu quero com Lilith? Eu quero fazer tudo que eu não tenho coragem. Eu sinto que eu passei muitos anos paralisade sem conseguir fazer nada, porque eu tinha medo de fazer as coisas mal, tinha medo de entregar algo que ainda não estivesse perfeito, o que quer que seja a definição de perfeito na minha cabeça.

Mas Lilith não, Lilith é: se está inacabado, está inacabado e é parte da vulnerabilidade de trazer o inacabado também. Então é tipo uma coragem de mostrar aquilo que é muito difícil de mostrar às pessoas. Acho que eu me conectei muito com o que a Tássia (Reis) falou também, de que o fato de a gente trazer algo que é muito difícil de mostrar tem um valor muito grande. Tipo, a dificuldade que ela descreveu em mostrar para os outros o que ela escrevia era a mesma coisa pra mim, não conseguia. E até hoje eu tenho muita dificuldade de mostrar o que eu escrevo. Eu posso ficar sem roupa no palco, mas ao mostrar o que eu escrevo, eu suo, fico morrendo de medo. Acho que isso desnuda muito mais.

Mateus: Já que você falou de palco, eu queria saber se as performances de drag são como no teatro, em que se apresenta o que foi ensaiado, ou existe espaço para improviso? Como são os seus shows?

Talith: Tem um pouco de tudo. Eu tenho números em que eu penso em tudo desde o início até o final, que eu tenho uma coreografia, mas eu gosto sempre de deixar um espaço para o improviso porque sempre algo dá errado. É a fantasia que embola, é, de repente, sei lá, você tropeça e cai. Eu acho que parte da performance é também abraçar o inesperado, os erros, e fazer aquilo também parte do show. Então eu sou muito fã do improviso.

Photo of Talith's personal archive

Mateus: E no projeto "Venus Boys" de drag kings, o que é que você faz?

Talith: "Venus Boys", apesar do nome, não somos só kings. Tipo, é um projeto que começou exatamente porque não tinha espaço pra quem fazia king na comunidade do drag. O nome do coletivo veio inspirado de um documentário de 2002 que segue umas 10 a 20 pessoas que faziam drag king na época entre Berlim, Londres e Nova York. E aí, uma das pessoas que estava no documentário foi convidada para o primeiro show. Então, na verdade começou como um show, não um coletivo. Era um show toda segunda-feira, toda 1º segunda-feira do mês no Silverfuture. E aí, muita gente foi ali e viu aquilo como um espaço para trazer o seu próprio tipo de drag, que não é necessariamente trazendo só masculinidade.

Então, é um coletivo que começou com o show de king, mas que abraçou o não-binário, abraçou a criatura, tem animal, tem de tudo. Acho que é meio sobre quem é marginal dentro da cena marginal que é o drag. É, então, sobre quem nunca teve espaço. Mas hoje em dia a cena mudou. Eu acho que não existe mais quase nenhum show que não tenha king ou que só tenha queen, por exemplo. A gente brinca muito que é a revolução drag king, e realmente a gente fez isso aqui. E aí agora eu tenho um outro coletivo que não está na minha bio, mas é o que estamos trazendo aqui (no Festival Psicotrópicos). É o "BRag Culture", um coletivo de drags do Brasil, que é a galera que está fazendo drag aqui. Um dia eu falei: gente, vocês querem fazer alguma coisa juntes? Eu conheço um monte de gente e fui reunindo uma galera. De repente a gente se conheceu, se conectou e estamos com vários planos aí.

Luiza: Bom, eu tenho uma última pergunta. O que é o projeto "fluid.vision"? Sei que é um dos projetos que você faz parte e queríamos entender o que é esse coletivo queer da cena techno. Conta um pouco pra gente o que vocês estão aprontando com essa ideia.

Talith: O "fluid.vision" também veio organicamente. Durante a pandemia, a gente estava de saco cheio porque não tinha nenhum lugar pra gente dançar. Aí fizemos umas ravezinhas pequenas no meio do mato só pra amigues. A gente coletava 15 euros de cada um, trazia tudo para o meio do mato e fazia. De repente, conhecemos uma outra galera que também estava fazendo. Enfim, a gente começou a se conectar e aplicamos para o funding do Draussenstadt que todo ano está dando uma grana para coletivos e projetos que queiram fazer coisas do lado de fora, né, tipo ao ar livre. A única condição é que precisa ser gratuito, que pra mim é meu sonho. Tipo, fazer isso foi literalmente um sonho virando realidade, porque eu sempre fui muito da vida noturna, o que minha família nem sempre gostou muito. Elus nunca entendiam porque eu passava tanto tempo na rua até às seis horas da manhã. Quando eu chegava em casa às seis horas, o que na verdade era cedo, elus não entendiam o que isso significava pra mim, que isso também era a minha comunidade, era um lugar onde eu me sentia livre para poder ser eu, né?

E eu vejo o poder da rave, o poder da festa, como um lugar onde você experimenta. E o techno tem muito isso também, de trazer a experimentação, a música eletrônica em geral. Aí a gente basicamente começou a fazer isso, juntando arte, performance, educação e ativismo. Estamos sempre tentando trazer tudo junto. No início da festa, têm workshops, a gente se junta e faz um ritual, todo mundo dança e aí, de repente, começa a festa. Tem pessoas que vêm, lêem poesia, aí tem show, enfim, é uma bagunça. Mas também é trazendo uma mensagem, né? Tipo, podemos criar uma comunidade, e o poder que temos de criar uma comunidade é todos os dias, é toda hora. E é um lembrete de que, agora que estamos no mesmo espaço, somos responsáveis por fazer ele ser um espaço melhor pra todo mundo que está aqui. Então, na verdade, é um processo de cocriação.

Conecte-se com Talith em sua página web e no Instagram e programe-se para assistir elu performar nos palcos de Berlim.

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